quinta-feira, 27 de junho de 2013

O Mestre do Maracanã - um mergulho na espiritualidade que move um Mestre do Boi


O Boi da comunidade do Maracanã, zona rural de São Luís, bem próxima à zona industrial da capital do Maranhão, é uma tradição secular. A história de resistência do Boi  de Maracanã já foi registrada em  diversos audiovisuais e reportagens de tv e, ano a ano, durante os festejos de São João, arrasta uma legião progressiva de fãs, turistas e seguidores do Boi do Maracanã. Visceral Brasil, as veias abertas da música, série em 13 episódios com curadoria de Carla Joner, foi até o Maracanã com um desafio: o registro do Mestre que está a frente do boi por mais de quarenta anos.

Mestre Humberto é um homem incomum. Nascido e criado na agricultura, nas roças de macaxeira e hortaliças, no extrativismo da Juçara, diz que a solidão desses momentos no cultivo da terra o fizeram criar. Primeiro, os sambas de roda rurais, onde a vivência de um jovem da zona rural virou música e caiu no gosto a comunidade. Depois, veio o chamado de São João - e Mestre Humberto se tornou cantador de Boi - hoje um dos mais famosos de todo o Maranhão.

O registro em documentário tinha o desafio de registrar esse homem incomum, amado e respeitado em sua comunidade, pai de 22 filhos, em um filme inovador. A questão da investigação de sua espiritualidade, sua fé, os caminhos que percorre que refletem em inspiração, em toadas marcantes e inesquecíveis, é o eixo norteador de "O Mestre do Maracanã".

Foram 8 dias intensos que, esperamos nós, traduzam ao menos um fragmento de toda uma riqueza cultural, emocional - e espiritual - difícil de ser captada. A equipe cresceu com Mestre Humberto. Esperamos sim, que o filme seja grande.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Sobre o antes - preparativos para o Maranhão

Sempre é grande a expectativa do antes. Se preparar para uma nova etapa de filmagem de um episódio documental de Visceral Brasil exige bastante concentração. Separar equipamento - que não é pouco - fazer as malas, responsabilizar-se por cada um - isso implica no seguro da equipe, em checar e re-checar se está tudo certo com as reservas, com as combinações. Trabalhar em equipe, sempre em equipe. No discurso, sai facinho. Na prática significa juntar gente diferente, que pensa diferente, com sentimentos diferentes, com gostos, idades e formações culturais distintas. Todo mundo junto, convivendo por uma semana, 10 dias, 15, 20...de forma intensa, todo dia, todas as refeições, o tempo todo. Equilibrar relações e emoções é uma tarefa desafiadora que sabemos que, entre várias equipes, não se consegue administrar.

Amanhã iniciamos uma nova etapa. Estar no Maranhão, estar no Maranhão no São João, estar no Maranhão do Mestre do Boi de Maracanã dá um friozinho na barriga. Um desconforto e insegurança de "não dar conta". De não conseguir mostrar o que é o Boi,  o que é um Amo do Boi, sua dimensão e sentidos para um lugar.

E vamos lá, mergulhar nesse universo sonoro, colorido e de muita fé e religiosidade. Viva São João! Viva Mestre Humberto! Viva o Boi de Maracanã!!!

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Sob o céu de Zabé – que é azul, branco, cinza, chumbo. A experiência na realização do documentário sobre Zabé da Loca

Uma semana cheia de emoções. Daquela que parece que vivemos 1 mês em 7 dias. Foi assim a filmagem com Zabé da Loca. “Sob o céu de Zabé”, um dos episódios de Visceral Brasil, foi filmado de forma intensa. Zabé, o assentamento Santa Catarina em Monteiro, no Cariri - Paraíba -e sua gente. Povo de Zabé – Seu Expedito de Mocinha, Seu João de Amélia, Josivane Caiano, Seu Zé Preto, Alex, Pitó..

Lugar de Zabé é terra de montanhas de pedras, de céu degradé, de futebol no domingo, de bode assado, de feijão de corda, de macaxeira, de forró, de cachaça, de fumo de rolo, de quadrilha, de São João, de sertão. Depois de um longo período de estiagem, no dia da festa de São João no assentamento, a forte chuva impossibilitou os festejos do lado de fora. Decepção para a equipe de filmagem que, mais uma vez, viveu na prática o risco dos improvisos do registro da vida real, sempre um roteiro em aberto, com meios e fins inesperados. Um sentimento de frustração logo arrependido de ser sentido – o povo comemorava a chuva e combinava o plantio pro dia seguinte – uns do feijão, outros do milho.


Os dias se passaram ao lado de Zabé. Sob o seu céu, rodeados de seus amigos, esperamos transformar as belas imagens em filme e dividir a experiência que vai além de apresentar a pifeira Zabé da Loca, mas de revelar a bela e forte figura humana que é, ao longo desses 89 anos de uma vida bem vivida. Conhecê-la – e chegar perto - é desejar que Zabé seja eterna. Saímos com gostinho de mais. E ela também, nos pedindo para ficar mais. Carregamos conosco seu jeito, suas falas - "ó eu com medo dela.."- "vai morrer pra lá pra não feder aqui"- "ié"??? 


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Pré produção e pesquisa - Zabé da Loca - começou!!!

Saindo do sul do Brasil, chegar a Monteiro é uma longa viagem.  Não há vôo direto para João Pessoa, tem que se fazer 1 ou 2 conexões, o tempo dentro do avião e nos aeroportos, especialmente cheios por conta da volta dos feirados, reflete numa ansiedade, aquela vontade de chegar logo. Mas da capital até o maior município paraibano, no coração do sertão do cariri, são mais de 300 km. E lá se vão mais de 14 horas desde o início da jornada até o ponto de chegada.

Monteiro é uma cidade agradável, com avenidas largas e temperaturas agradáveis a noite, um ventinho soprando direto. Só no dia seguinte eu e Carla Joner seguimos sertão adentro, cruzamos as estradas de terra emolduradas por mandacarus em flor, pedras enormes empilhadas, rebanhos de cabras e casinhas com cisternas no quintal.  Chegamos ao assentamento Santa Catarina, onde vive Zabé, que  nos esperava com todo seu estilo, unhas da mão e pé pintadas de vermelho, lencinho preto na cabeça e uma super combinação de cores na saia e casaquinho. E como ela gosta de um chamego, um abraço forte e beijinhos. Ano passado esteve por meses internada no hospital, por conta de um enfizema pulmonar, mas está recuperada. Escuta mal, jogou seu aparelho de audição fora, não gostava. Logo, Zabé escuta quando quer,  fala o que quer e na hora que quiser. Sua casa decorada com cartazes com suas premiações e filmes que participou, está bem cuidada.  Zabé está bem com seus 89 anos.

E logo chega a responsável pelo estar de Zabé: Josivane Caiano, também assentada com sua família numa casa vizinha e, segundo Zabé, é "a filha, a mãe, a amiga e a empregada...é todo esse tantinho numa pessoa só." Josivane é linda. Uma mulher que aprendeu a ler aos 27 anos e que, com o acesso a educação,  se fortaleceu e empoderou as mulheres do assentamento. Muitas sem documentação e vivendo uma história de opressão perpetuada de geração em geração. Josivane cresceu com o crescimento de Zabé e sua tomada de consciência em relação a sua situação e a de muitas a sua volta. Ela nos emociona ao contar sua história,  que hoje não precisa mais receber o Bolsa Família, que por um longo período a ajudou com 234 reais. O dinheiro, historicamente, sempre esteve na mão dos homens. Somente as mulheres viúvas, na zona rural, podiam mexer com dinheiro, passavam, a partir da viuvez, a ter independência financeira. O documento de identidade, o CPF e o Bolsa Família, transformaram as mulheres do assentamento Santa Catarina. Com Josivane a frente, lutando pela importância do planejamento familiar, da saúde da mulher.

Juntas, em volta de uma mesa, as 4 mulheres - eu, Carla, Josivane e Zabé - construímos nosso roteiro de filmagem. A força cultural de resistência que hoje une o Assentamento Santa Catarina estará representada no documentário "Sob o céu de Zabé"- que é de um azul profundo, pontuado de nuvens cinzas, brancas, misturadas.  Zabé é maestra.

Em breve, notícias das filmagens!