Pra quem já viu e
ouviu Mestre Vieira com sua guitarrada no palco, conhecê-lo de
perto gerava grande expectativa. 79 anos, 50 de guitarrada, um gênero
inventado por ele, fazia-me imaginá-lo em um dia a dia de
celebridade em sua cidade natal, Barcarena, Pará. Sim, Mestre Vieira
é uma celebridade. Adentrar o mercado de peixe da cidade e registrar
Mestre Vieira sendo ovacionado pelos feirantes e fregueses foi uma
emoção que arrepiou toda a equipe técnica. Mas nos emocionou
também ver a forma simples que vive um grande mestre. De bicicleta
sem freio, circulando por toda a cidade, na varanda da sua casa que é
uma extensão do espaço da rua, o Mestre recebe a todos que passam.
De taxistas a trabalhadores da ALBRAS, que param e pedem uma foto, um
autógrafo. Do homem humilde, numa conversa franca, a experiência
dos 79 anos bem vividos: na música, no extrativismo, na agricultura,
na mecânica, na marcenaria. Tudo que fez e que faz foi bem feito,
surpreendente. Mestre em sentido amplo: temos muito que ouvir, muito
que conhecer, muito mais que aprender. Mais bonito de toda a
experiência, além se sua música própria, tão especial, é sua
forma de unir e reunir a família – 8 filhos, noras, netos e muito
amor. “eu vivo para os meus filhos”- diz o Mestre.“o sotaque da
guitarra” busca registrar esse espírito de um Mestre da
simplicidade e do amor. Tocando com os filhos, andando pela cidade
que ama e de onde nunca quis sair, ou em um churrasco em casa, Mestre Vieira e sua música são únicos, exclusivos. Um
privilégio em estar perto e registrar.
terça-feira, 12 de novembro de 2013
só na bahia
Nilo Peçanha, na
região da costa do dendê, Bahia, é a cidade do Zambiapunga. Dizem
que o berço mesmo foi Cairu, bem ali perto, mas o fato é que o
local onde o grupo cultural se desenvolveu, cresceu e fortaleceu,
ganhando o Brasil e o mundo foi Nilo Peçanha. Ver o Zambiapunga e
seus cerca de 40 homens tocando é uma experiência única. Um mantra
original, uma catarse coletiva. O ensaio, realizado na sede do grupo,
na periferia da cidade, parece abalar os alicerces da casa. A
sonoridade da percussão – enxada + búzio + tambor – resulta
numa batida musical que arremata até o mais gélido dos corações.
O documentário “pelas
almas de bem” pinçou 3 personagens entre os mais de 40 que compõem
o Zambiapunga – um professor do ensino fundamental (tocador de
tambor), um agente cultural e DJ (tocador de búzio) e um pescador e
coletor de dendê (tocador de enxada). Além disso, o registro
audiovisual buscou captar o universo regional que fez com que aquela
música brotasse. Antiga região de grandes fazendas e cultura
escravagista hoje reúne várias comunidades quilombolas. As cores,
os sabores e os sons têm explicitamente essa relação com a Africa
e com suas manifestações ancestrais. E foi na madrugada da véspera
do dia de finados que o Zambiapunga saiu as ruas com suas máscaras,
capacetes coloridos, extrema energia pulsante de seus componentes e
muita música, num movimento de renovação espiritual – expulsar
os maus espíritos e deixar só as almas de bem reinarem. Fazem da
mesmas forma que fizeram seus pais, avós, bisavós, tataravós. Pela
cidade, moradores também vão pras ruas para assistir e participar
de um amanhecer explosivo e marcante. Uma festa que celebra a
resistência cultural tão diferenciada em uma região pouco
conhecida pelos turistas brasileiros e tão ou mais interessante que
as praias vizinhas de Boipeba e Morro de São Paulo. “pelas almas
de bem” exorciza energias ruins e bota um gostinho de '”quero ver
de perto”, “quero pulsar junto”.
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