terça-feira, 12 de novembro de 2013

o guitarreiro do mundo e um mundo em barcarena

Pra quem já viu e ouviu Mestre Vieira com sua guitarrada no palco, conhecê-lo de perto gerava grande expectativa. 79 anos, 50 de guitarrada, um gênero inventado por ele, fazia-me imaginá-lo em um dia a dia de celebridade em sua cidade natal, Barcarena, Pará. Sim, Mestre Vieira é uma celebridade. Adentrar o mercado de peixe da cidade e registrar Mestre Vieira sendo ovacionado pelos feirantes e fregueses foi uma emoção que arrepiou toda a equipe técnica. Mas nos emocionou também ver a forma simples que vive um grande mestre. De bicicleta sem freio, circulando por toda a cidade, na varanda da sua casa que é uma extensão do espaço da rua, o Mestre recebe a todos que passam. De taxistas a trabalhadores da ALBRAS, que param e pedem uma foto, um autógrafo. Do homem humilde, numa conversa franca, a experiência dos 79 anos bem vividos: na música, no extrativismo, na agricultura, na mecânica, na marcenaria. Tudo que fez e que faz foi bem feito, surpreendente. Mestre em sentido amplo: temos muito que ouvir, muito que conhecer, muito mais que aprender. Mais bonito de toda a experiência, além se sua música própria, tão especial, é sua forma de unir e reunir a família – 8 filhos, noras, netos e muito amor. “eu vivo para os meus filhos”- diz o Mestre.“o sotaque da guitarra” busca registrar esse espírito de um Mestre da simplicidade e do amor. Tocando com os filhos, andando pela cidade que ama e de onde nunca quis sair, ou em um churrasco em casa, Mestre Vieira e sua música são únicos, exclusivos. Um privilégio em estar perto e registrar.  


só na bahia

Nilo Peçanha, na região da costa do dendê, Bahia, é a cidade do Zambiapunga. Dizem que o berço mesmo foi Cairu, bem ali perto, mas o fato é que o local onde o grupo cultural se desenvolveu, cresceu e fortaleceu, ganhando o Brasil e o mundo foi Nilo Peçanha. Ver o Zambiapunga e seus cerca de 40 homens tocando é uma experiência única. Um mantra original, uma catarse coletiva. O ensaio, realizado na sede do grupo, na periferia da cidade, parece abalar os alicerces da casa. A sonoridade da percussão – enxada + búzio + tambor – resulta numa batida musical que arremata até o mais gélido dos corações.

O documentário “pelas almas de bem” pinçou 3 personagens entre os mais de 40 que compõem o Zambiapunga – um professor do ensino fundamental (tocador de tambor), um agente cultural e DJ (tocador de búzio) e um pescador e coletor de dendê (tocador de enxada). Além disso, o registro audiovisual buscou captar o universo regional que fez com que aquela música brotasse. Antiga região de grandes fazendas e cultura escravagista hoje reúne várias comunidades quilombolas. As cores, os sabores e os sons têm explicitamente essa relação com a Africa e com suas manifestações ancestrais. E foi na madrugada da véspera do dia de finados que o Zambiapunga saiu as ruas com suas máscaras, capacetes coloridos, extrema energia pulsante de seus componentes e muita música, num movimento de renovação espiritual – expulsar os maus espíritos e deixar só as almas de bem reinarem. Fazem da mesmas forma que fizeram seus pais, avós, bisavós, tataravós. Pela cidade, moradores também vão pras ruas para assistir e participar de um amanhecer explosivo e marcante. Uma festa que celebra a resistência cultural tão diferenciada em uma região pouco conhecida pelos turistas brasileiros e tão ou mais interessante que as praias vizinhas de Boipeba e Morro de São Paulo. “pelas almas de bem” exorciza energias ruins e bota um gostinho de '”quero ver de perto”, “quero pulsar junto”.